“Não era homem, nem mulher, também não era uma drag queen ou um travesti. Então, o que era? Ninguém entendia. Dava um nó na cabeça das pessoas.”
Nega Lu se sobressaía não só pela irreverência e a coragem de se expor num cenário adverso – além do ambiente hostil de uma ditadura militar, vivia numa cidade extremamente conservadora e provinciana, onde qualquer manifestação pública de afeto e sexualidade era vista como tabu. Mas também pelo que havia de absolutamente perturbador em sua presença. Não afeita a submissões de qualquer ordem, inclusive de raça, classe e gênero, sua natureza era um vulcão em permanente erupção, cavando sulcos para abrir novos caminhos numa paisagem gelada e petrificada.
Transformou-se em uma figura popular, a princípio, restrita às fronteiras de um gueto boêmio e cultural, depois expandindo-se cada vez mais para além da redoma da contracultura local. Os relatos acerca de suas peripécias, quase todos convergentes e repetitivos, apontam os traços anticonvencionais de sua personalidade. A bem da verdade, não faltava quem tivesse uma história para contar sobre a Nega Lu. O que mais poderia desejar um biógrafo?
Esta edição que agora chega às mãos dos leitores é especial, pois coincide com os dez anos do lançamento do livro Nega Lu, uma dama de barba mal feita, de Paulo César Teixeira. Marca também os 20 anos da morte da Nega Lu. Além da alteração da capa (com a opção pela foto em cores, e não em preto e branco, como na primeira edição), foram feitas pequenas alterações relativas a termos ou expressões que, uma década atrás, soavam como naturais ou consensuais e, hoje, podem dar brecha a preconceitos. A evolução da linguagem acompanha um mundo em permanente mutação.
O livro ganhou o Prêmio de Livro do Ano – Categoria Não Ficção, da AGES (Associação Gaúcha de Escritores), o que representou um reconhecimento à trajetória de uma figura tão autêntica quanto incômoda, capaz de antecipar conquistas sociais e comportamentais que só viriam a se estabelecer, efetivamente, duas ou três décadas depois.